10/03/2013
16h57
por Jorge
Forbes
Acabaram com
as nossas quartas-feiras de cinzas. Aquelas nas quais não se ouvia mais cantar
canções e ninguém passava mais brincando feliz. Atualmente as quartas-feiras
são utilizadas para as batalhas ruidosas das apurações das escolas e, logo em seguida,
prossegue a folia no desfile das campeãs. Acabou? Não! Inventaram as micaretas,
nome alusivo às festas no meio da quaresma. Acabou? Não! Daí vem o sábado de
aleluia, as festas juninas e festas e mais festas o ano todo, sem parar, sem
relaxar, sem silenciar. Pule, pule, saia do chão é a ordem nesses tempos em que
vivemos uma epidemia festiva.
Tristes
tempos estes nos quais a alegria é obrigatória. Nada é suficiente. Mais, mais,
mais, só paramos na exaustão, ou quando um acidente nos para. Mais, vamos, além
do limite, não há limite. Talvez o céu para os piedosos; o inferno, para a
maioria.
Se a balada
está lotada, mais, empurrem, sufoquem. Se a garrafa acabou, mais, vamos, bebam,
brindem, festejem. Se o carro está rápido, mais, depressa, corram, não importa
a estrada.
Se alguém
lhes chateia, deletem. Se o curso está aborrecido, mudem. Se o livro é grosso,
saltem as páginas.
Se o amor
não corresponde, desamem imediatamente.
A ordem é
uma só: prazer a todo custo, inconsequente, superficial, fugaz, mas prazer.
Acabaram não
só com as quartas-feiras de cinzas do poeta, como também com todo o aparato
social de elaborar a morte, por conseguinte, os limites. Findo o carnaval –
continuando no exemplo - começava a quaresma, os jejuns, os santos cobertos de
roxo nas igrejas. Independentemente do credo de cada um, ou do não credo, a
sociedade estipulava rituais coletivos de enfrentamento da morte, em relação
aos quais era difícil ficar indiferente.
E agora,
como suportar essa época de folia obrigatória, de excesso, de desmedidas? Bem,
agora, não adianta esperar que o limite venha de fora de si. Pobres dos que
puxam e repuxam a pele na ânsia de uma juventude perdida e o que encontram é
uma maturidade bizarra, falando gentilmente. Até onde a pele estica? Até a
exposição do ridículo.
Os moços
tentam elaborar o limite testando o corpo. É o que explica a febre dos esportes
radicais. No mar, na terra, no ar: kitesurf, escalada, paraglider. Não são
remédios acessíveis aos mais velhinhos. Como saber parar sem ter que subir o
Everest? Isso é um problema atual. Sua resposta pode nos liberar da obrigação
insana do prazer das festas pelas festas.
A
psicanálise tem uma resposta. Na ausência do limite vindo do outro - como foi
para os nossos pais, quando era mentira que nossa raiva poderia destruir o
mundo, hoje, sim, é verdade - na ausência de um basta exterior, o que permite
nos orientar é o desejo. Muito difícil saber o que se deseja, mas fácil
perceber que não é qualquer coisa. O desejo não é glutão, não se alimenta de
indiferenças. Todo o desejo é desejo de alguma outra coisa, de uma coisa que
desacomoda, que nos tira da área de conforto. Se não vemos o objeto de desejo
diretamente, à luz do dia, notamos sua presença no sentimento da força
estranha, maior que nós mesmos, que nos habita exigindo uma resposta criativa e
responsável. Nada a ver com o mais-mais enlouquecido das obrigações hedonistas,
o objeto do desejo é fruto de lenta depuração. Ele é pontual, silencioso,
preciso, delicado, refinado, instigante. Não se resolve no carnaval das
mortalhas genéricas, mas nas escolhas uma a uma. Mas, repito, ele nos tira das nossas
áreas de conforto. Donde a pergunta que já me valeu um livro: você quer o que
deseja?
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