O gozo da pulsão de morte
Pense na Dinamarca. País perfeito, que,
junto de Suécia, Noruega e Islândia (um dos lugares mais fascinantes em que já
estive justamente porque é no fim do mundo e ninguém normal vai para lá), forma
o paraíso na Terra para essa gente do "queremos um mundo melhor".
A chave para entender esses belos
países não é o que gente mal informada acha que é, a saber, seu altíssimo grau
de civilização e "consciência social" (em mil anos, termos como esse
soarão como hoje soa "raça ariana superior"), mas, sim, seu altíssimo
grau de prazer em reprimir tudo que não seja norma e de torturar todos que
parecerem estar fora dela (dito de modo psicanalítico, um enorme gozo da pulsão
de morte a serviço da repressão e humilhação moral).
O luteranismo puritano do passado
escandinavo se transformou na repressão terrível em nome de "sua
santidade" o politicamente correto, seja ele ecológico, social, sexual,
cultural, ou que diabo for.
O que está em jogo é torturar quem não
parece estar enquadrado no jogo da pureza moral. O cinema de Ingmar Bergman,
Lars von Trier e Thomas Vinterberg, por exemplo, é um testemunho claro desse
gozo mórbido pela hipocrisia do amor à norma.
Mas seria injusto passar a conta para
os escandinavos. Nós todos gozamos em torturar quem cai na desgraça de ser um
herege. O ódio nos move mais do que o amor, e, antes de tudo, odeio o racista
mais do que amo sua vítima de racismo.
Adoramos humilhar, perseguir, destruir
homens e mulheres, porque supostamente feriram códigos. Mas a maioria de nós
não está nem aí para os códigos. Gosta, sim, de ver o desgraçado reduzido a
lixo.
Somos inquisidores natos, prontos a
babar em cima da primeira vítima que surgir, principalmente a
"moçadinha" por um mundo melhor.
Por isso, na Idade Média levavam as crianças
para o programa de domingo, que era ver infelizes arderem. E você, caro leitor,
que talvez se ache o máximo, provavelmente levaria o seu filho também para
cuspir no herege. Quer ver: o que você acha do pastor Feliciano? Ou de algum
machista nojento?
Ou de padre pedófilo? Merecem um
xingamento básico? Quem sabe, ovo podre? Bruxa e gay hoje não são mais hereges,
são parte do status quo "cabecinha".
Por falar em Vinterberg, veja o
maravilhoso "A Caça", com o excelente Mads Mikkelsen (o mesmo do
"Amante da Rainha") no papel principal de um professor de jardim de
infância injustamente acusado de pedofilia por uma aluna.
O filme deveria ser passado nas escolas
de magistratura, nas faculdades de psicologia, pedagogia, serviço social e
outros quebrantos.
Tudo nele é sofisticado e a serviço de
desmascarar o inquisidor que existe em nós. O erro da "moçadinha"
para um mundo melhor é não entender que, para descobrir o inquisidor babão em
si mesmo, a chave não é pensar em "vítimas oficiais de preconceito",
mas sim em quem você odeia por razões
que você considera justas.
que você considera justas.
A questão do filme não é negar o horror
da pedofilia (vamos esclarecer antes que algum inquisidor comece a babar em
cima de mim), mas, sim, mostrar como funciona nossa velha natureza humana em
seus novos objetos de gozo mórbido moral.
A menina, Klara, tendo sido
"recusada" em seu amor pelo professor Lucas (Mikkelsen) --ela o beija
na boca--, vinga-se dizendo para a diretora da escola (esse ser quase sempre
pronto para abraçar qualquer moda, mesmo as modas de horror como a pedofilia)
que ele tinha mostrado seu órgão
sexual para ela.
sexual para ela.
Daí, claro, segue-se o
"normal": um especialista acaba por dar a bênção
"científica" para a acusação de pedofilia contra o inocente Lucas.
Ele segue a cartilha de que as crianças nunca mentem e quando negam o suposto
abuso é porque estão envergonhadas. De repente, todas as crianças dizem terem
sido abusadas.
Por isso, de nada adianta o
arrependimento de Klara, que tenta negar o que disse mil vezes (e ela o faz
várias vezes, mas nenhum adulto acredita nela).
Todos "cospem" em Lucas:
amigos e suas mulheres, colegas de trabalho, ex-mulher, quitandeiros.
Teste sua alma de inquisidor: o que
você faria se acusassem o professor de sua filhinha de pedofilia?
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